Apesar da entrada do outono ter sido com nuvens no Sul de Minas, produtores da região agora temem o início do período seco do ano. A água vinda do céu nas últimas semanas do verão encheu de esperança muitos moradores, mas não foi suficiente para elevar o Lago de Furnas. A última medição do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) apontava o nível do lago em 754,60 metros, ou seja, pouco mais de 4 metros acima do mínimo para operação. Produtores e empresários só calculam prejuízos. E neste domingo (22), Dia Mundial da Água, o presidente do Instituto Internacional de Ecologia (IIE), José Galizia Tundisi, alerta: “a crise vai continuar”. Clique em Leia Mais e confira notícia completa.
O cenário permanece
Há seis meses, a empresária Simone Santana Silva Moisés contava os prejuízos que teve após uma das estiagens mais dramáticas que atingiram a região, a de 2014. Passado esse tempo, nada mudou. “O lago não reagiu”, afirma. Ela tem uma pousada em Carmo do Rio Claro (MG), cidade cercada de empreendimentos que se sustentam com as águas do reservatório. Desanimada, ela relata que a paisagem continua sem o lago e o barco da pousada ainda jaz afundado na lama.
seca do Lago de Furnas (Foto: Samantha Silva / G1)
Com isso, o movimento no local permanece 50% menor do que o habitual. “Eu não sei se é a falta do lago, mais essa crise que o Brasil está passando, os turistas sumiram. Feriados, carnaval, teve uma procura, mas muito pequena. Está preocupante, está bem preocupante”, completa.
Se não houve as demissões que temia no ano passado, em 2015 também não se criaram novos postos de trabalho. “Demitir, eu não demiti não, mas teve dois [funcionários] que aposentaram e eu não contratei novos para o lugar. Remanejei e estamos vendo o que faz dessa forma. Mas nem contratei mais”, conta. A esperança de movimento na pousada está sendo os eventos de negócios, para palestras e cursos realizados no local. Nada que dependa do lago.
Para ela, que já foi “assombrada” pela estiagem entre 1999 e 2001 – que teve como consequência o apagão – tempos piores que esses não há. “Aquela foram três anos e depois voltou ao normal. Agora já faz quatro anos que não chove [como antes] e o lago não reagiu nada”, finaliza.
Cada vez menos peixes
Com a mesma aflição, o piscicultor Denilson Gomes viu pouca coisa mudar nos últimos meses. A chuva até elevou alguns metros do lago em Alfenas (MG), onde tem um sítio para criação de tilápia, mas isso não evitou os prejuízos. “Perdi bastante peixe. Em janeiro a água estava muito quente [por causa da falta de chuvas]. Perdi uns 15 mil peixes”, calcula. Atualmente, ele conseguiu deixar cerca de 40 tanques-rede na água, o que equivale a uma produção de 30 mil tilápias.
Segundo Gomes, com a falta de peixes no mercado, o valor do quilo da tilápia bruta subiu um pouco, de R$ 5 para R$ 6. “Está difícil encontrar peixe. Por causa da água [baixa], muita gente parou de criar peixe. Aqui umas 10, 12 pessoas ‘parou’ de criar”, conta sobre a vila de pescadores onde fica o sítio dele.
Sudeste (Foto: IIE / Divulgação)
Seu maior temor agora é a estiagem natural que o outono e o inverno costumam trazer. Da impossibilidade de aumentar a criação para melhorar a renda, ele já tem certeza, mas sua preocupação agora é ter que diminuir ainda mais e não conseguir manter a atividade. “O problema é a hora que entrar a seca. A água não subiu, e quando entrar a seca ela vai embora. E a cada ano que passa, a água só vai baixando, e aí a gente vai chegando ‘no’ limite”, finaliza.
Tempos de escassez
O professor José Galizia Tundisi tem como missão de vida observar as alterações do tempo para buscar soluções sustentáveis para o futuro. Ocupa a presidência do Instituto Internacional de Ecologia (IIE) em São Carlos (SP) e a vice-presidência do Instituto de Biodiversidade, Recursos Minerais e Água (INCT-Acqua), ligado à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O pesquisador falou sobre a recente estiagem que atingiu o Sudeste e acredita que a população deve se preparar para tempos difíceis. Segundo ele, se estávamos acostumados com abundância, agora é hora de se preparar para um período de escassez de recursos.
“Realmente há uma crise no Sudeste que deprecionou os reservatórios, todos e muitos severamente, e essa água que está chegando agora, sem dúvida nenhuma, não vai repor essa crise, não vai repor o volume perdido. O que a gente está esperando e que é certo que vá acontecer, é que a crise vai continuar, não é uma crise de curto prazo, é de mais longo prazo. A qualidade da água [também] está se deteriorando, exatamente por causa do fato de que quando tem uma crise dessa e diminui o volume, isso contribui para que a qualidade da água seja degradada. Então a qualidade e quantidade estão sendo degradadas permanentemente. Sem dúvida nenhuma, devemos nos preparar para ter um problema de falta de água para produção de energia, para abastecimento público e produção de alimentos, que é a tríade que [depende] da água.”
“Essa crise era esperada em algum momento, mas não com essa intensidade. O que pegou de surpresa os especialistas e os gerentes é que foi muito intenso, em primeiro lugar. Em segundo lugar, há vários fatores: mudanças globais, desmatamento nas bacias, uso do solo inadequado, um conjunto grande de problemas que tem como consequência essa crise.”
“Um pouco [foi culpa do governo], que não conseguiu entender bem a magnitude da crise. Planejou, mas não conseguiu planejar para a magnitude da crise, então foi pego também de surpresa, e aí na hora de reagir, reagiu tarde por causa disso. Eu acho que não foi negligência, mas foi um pouco de falta de capacidade de previsão de uma crise maior, devia ter preparado com diferentes cenários: uma crise menor, uma crise mais severa, e isso não ocorreu. Além disso, há as políticas ambientais, mas não funcionam porque o monitoramento é precário. E a legislação, apesar de ser boa, ainda é deficiente de ser implantada.”
“A hidroeletricidade é importante, mas a matriz tem que mudar. Tem que colocar energia solar, eólica, pra poder ter justamente possibilidade de você ter uma energia que não dependa só da matriz hídrica. Mesmo em casos normais, de abundância de água, a matriz hídrica não pode funcionar como única ou principal doador. Além disso, despoluir é fundamental, e desde que a população seja informada, ela pode fazer um trabalho de se mobilizar, mas primeiro você tem que informar a população. O governo não pode fazer tudo sozinho, ele tem que ter parcerias com a iniciativa privada e com a população. Isso é fundamental.”
“Normalmente para de chover em abril, então se parar de chover quando previsto, quando entra o período de seca, de abril até outubro, a situação vai se agravar, porque mesmo que chova o mês inteiro de abril, ainda não será suficiente para repor esse estoque. E mesmo com chuva, vai levar de 2 a 3 anos para recuperar, é o cenário. Eu acho que o que vai acontecer é que nós vamos ter uma cultura de escassez, mesmo que tenha abundância de água, a população vai ficar acostumada a menos água. Passamos de uma cultura de abundância para uma cultura de escassez. E diminuir a demanda é o principal.”
Fonte: G1